sexta-feira, 31 de julho de 2009


CURUMIM

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NA LUTA PELA SOBREVIVÊNCIA

Há hoje no Brasil 69 referências de povos isolados espalhados pela Amazônia Legal. Todos estes povos – ou frações de povos – estão reduzidos a pequenos grupos, gravemente ameaçados pelas frentes de expansão e exploração na Amazônia e pela ação ilegal de madeireiros, posseiros, missionários e garimpeiros.

É importante ficar claro que o termo “índio isolado” não significa que esses indígenas nunca tiveram contato com a sociedade nacional, mas sim que optaram pelo isolamento, muito provavelmente, após experiências traumáticas vividas no passado.

Quantificar esses povos é tarefa complexa e cheia de imprecisão. Notícias diversas, relatos de confrontos são os indícios que constroem a informação de uma população indígena desconhecida e possivelmente sem contato. A partir daí, cabe a Funai averiguar in loco as informações, procurando indícios e provas materiais – como sinais de acampamentos, objetos utilizados abandonados, caminhos na mata – para que a identificação legal da área como Terra Indígena seja feita.

Hoje, com uma nova política de atuação, a Funai tem uma coordenação específica – a Coordenação Geral de Índios Isolados – responsável por planejar, normatizar e supervisionar as atividades relacionadas aos índios isolados no âmbito governamental. A execução fica a cargo das Frentes de Proteção Etnoambiental, que exercem em campo as políticas públicas de localização e proteção de grupos isolados e de contato recente.

Conversei com o responsável pela área, o historiador e indigenista Elias Bigio, para entender melhor a atuação da Funai com índios isolados, as ameaças vividas por esses povos e os desafios para um futuro em que se respeite essa opção pelo isolamento.

Qual a situação dos índios isolados no Brasil?

Elias Bigio: O sistema de proteção para índios isolados no Brasil foi criado no final da década de 1980, no contexto da discussão da Constituinte. Era o momento de discussão de formas de garantir direitos aos povos indígenas no Brasil. Foi aí que começou uma discussão sobre respeitar a opção de índios que não quereriam contato com a sociedade nacional. Foi nesse contexto, então, que foi criado um sistema de proteção aos índios isolados no Brasil.

Hoje, 21 anos depois, estamos trabalhando com 69 referências de grupos isolados espalhados pelos estados da Amazônia Legal. Dessas referências, nós temos cinco povos contatados e nosso trabalho é proteger seu espaço físico e regularizar sua terra para que eles possam fazer sua reprodução física e cultural, de acordo com o que determina a legislação.

E como está a situação das terras para esses povos?

EB: Independentemente de ter contato nós temos terras indígenas demarcadas para isolados e também temos terras com restrição de uso. Ou seja, é um território que ainda está em processo de regularização, mas que já está sendo monitorado, como é o caso da terra dos índios Piripkura, contatados em 2007, ente os municípios de Colniza e Rondolândia, no Mato Grosso. Apesar de termos poucas terras para índios isolados já demarcadas, a maioria desses povos de que temos referência estão contemplados nesses territórios.

O que levou a Funai a fazer contato com esses índios Piripkura, em 2007?

EB: Veja, em todo o século 20, a estratégia era de contato. Tanto é que tínhamos as Frentes de Atração, ou seja, eram grupos treinados para atrair os índios e integrá-los à sociedade. Isso muda radicalmente e legalmente a partir de 1987/88, quando a política passa a ser a de respeitar a autonomia desses povos e seu desejo de não manter um contato regular com a sociedade nacional.

Então, nos dias de hoje, só se faz contato com grupos que estão em situação muito vulnerável. E esse era o caso desses Piripkura. Eles estavam numa situação de muita vulnerabilidade, pois a terra que eles ocupavam ficava no limite entre os municípios mato-grossenses de Rondolândia e Colniza, apontada como a cidade mais violenta do país. É uma área de intensa exploração madeireira e por isso essa terra vive uma pressão muito forte. Então, nós não tínhamos como não fazer esse contato. Foi um contato para garantir a sobrevivência e a segurança desses índios. E mesmo após o contato, nós não temos uma relação frequente com eles, até porque eles não querem. De 2007 pra cá, nós fizemos três contatos com eles apenas, para ver como estavam de saúde, já que são apenas dois índios. Instalamos nessa região, uma base onde fica a equipe da Frente de Proteção Etno-Ambiental do Madeirinha, essa equipe faz uma fiscalização diuturna nessa região para não haver invasão nessas terras. Paralelamente, o Ministério Público do MT entrou com uma ação na Justiça Federal para garantir a extrusão e a paralisação da exploração madeireira no local.

Hoje, qual a principal ameaça para esses povos?

EB: É sem dúvida a atuação ilegal. Seja ela de madeireiros, narcotraficantes, posseiros… Como nós estamos, prioritariamente, em regiões de fronteira, onde a presença do Estado não é tão forte, essa acaba sendo a maior vulnerabilidade.

E grandes empreendimentos, como os propostos no Programa de Aceleração do Crescimento, do presidente Lula?

EB: Eu acho que existe um espaço para que os órgãos governamentais se articulem e planejem ações para mitigar e proteger os povos indígenas nesses casos, sejam eles isolados ou não.

Então, você acha que não há problemas com a construção das hidrelétricas do Madeira, por exemplo, mesmo tendo referências de índios isolados lá?

EB: Existem referências de povos indígenas isolados sim naquela região, mas as hidrelétricas não estão dentro das terras indígenas. Porém, certamente, elas trarão impactos aos povos indígenas – já contatados ou não. Mas cabe à Funai implantar projetos de proteção àquelas terras indígenas. E já dentro desse contexto de expansão que está havendo no Amazonas, nós reativamos a Frente Purus, porque ali tem muita referência de índios isolados nas duas margens do Madeira. Então, essa Frente vai nos ajudar a proteger esses povos.

Na sua opinião, é possível então aliar o dito “progresso” com a garantia dos direitos indígenas?

EB: Nós não temos como fugir disso. Vamos ter que pensar no desenvolvimento do país, mas sem deixar de lado os direitos dos povos indígenas. Até porque a legislação brasileira nos obriga a atuar na garantia dos direitos desses povos. E é isso que vamos fazer. É nosso grande desafio.

Uma política efetiva de povos isolados só quem tem é o Brasil. E essa referência tem sido discutida em fóruns internacionais, inclusive. Estamos pensando estratégias de garantir a opção de esses povos viverem isolados. Então, nossa perspectiva é de identificarmos as áreas de ocupação desses índios e fazer demarcações. Assim, garantiremos um futuro para que esses povos continuem tendo a opção de se manter longe do contato, independentemente de grandes obras e expansões.

Mas não ficará mais complicado o processo de demarcação de terras indígenas depois das exigências e pedidos de alteração do processo demarcatório pelo STF, após o julgamento da Raposa?

EB: Veja, o que está em vigor é o decreto 1775/96, que regula os procedimentos de demarcação de terras indígenas. Nada mudou. Talvez aconteça alguma mudança, mas eu acho que existem movimentos em favor de se assegurar os direitos indígenas. Por isso, ainda não vejo essas questões colocadas pelo STF como um obstáculo para as demarcações e consequentemente para a garantia dos direitos desses índios viverem em seus territórios, longe do contato com a sociedade nacional.


Fonte: http://christianeperes.wordpress.com/


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