Povos indígenas,
história e
democracia
Por mais de 400 anos, os povos indígenas no Brasil sofreram o processo colonizador como vítimas e, eventualmente, como aliados para a defesa do território nacional frente aos diferentes invasores. O domínio das terras e caminhos, das matas e rios, o conhecimento milenar da natureza tornava-os imprescindíveis à empresa colonial e, ao mesmo tempo, objeto de desrespeito, exploração e questionamento da própria humanidade.
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Na esteira de quase cinco séculos da construção nacional, centenas de povos desapareceram, milhões de indígenas morreram e avançamos no Século XX com uma visão precária e contraditória do que havia restado das populações originais desta terra, numa mistura de fascínio, ignorância e desprezo.
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O período desenvolvimentista dos anos 50 produziu as estratégias - como a criação do Parque Nacional do Xingu - de remoção e reassentamento territorial de diferentes povos, para protegê-los na mesma medida em que se lhes subtraía o território e se lhes confinava nas sobras da expansão econômica e nos corredores entre as novas estradas que rumavam para o interior.
A ditadura militar acelerou o processo de espoliação dos povos indígenas, expondo brutalmente suas frágeis existências ao ciclo voraz do capital, incentivando a ocupação desordenada da região amazônica e disseminando doenças, morte e miséria nas aldeias indígenas. A ditadura quebra a relação contraditória vigente desde a colônia entre o Estado nacional e os povos indígenas para anunciar com radicalidade o etnocídio como "o preço a pagar pelo progresso". Buscava-se a integração dos povos indígenas sobreviventes à sociedade nacional como a vitória final de um Brasil branco e homogêneo.
Como toda a sociedade nacional, também os povos indígenas se mobilizaram durante o último período da ditadura: assembléias, denúncias, ações coletivas passaram a ocorrer com intensidade crescente, reivindicando terras, afirmando culturas, cobrando respeito. "Brasil, Nunca Mais" deixava de ser uma aspiração restrita aos grupos que lutavam pela Anistia, para ser abraçada por todos os setores sociais, inclusive os povos indígenas.
O Congresso Constituinte (1987-1988) foi o espaço pós-ditadura no qual o conjunto da sociedade brasileira se encontrou para construir um novo pacto político e social. Ali foi transformada radicalmente a orientação do Estado com relação aos povos originários: de uma perspectiva integracionista, que pressupõe a superioridade da sociedade nacional frente às sociedades indígenas, passamos a uma perspectiva de respeito à alteridade, que pressupõe a igualdade de direitos entre os diferentes modos de existência no interior do Estado-nação.
A Constituição de 1988 afirma no artigo 231: "São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens".
Ao longo dos últimos 20 anos, a sociedade brasileira vem buscando cumprir, embora de maneira muito lenta, esse novo mandato constitucional: várias terras indígenas foram demarcadas em todas as regiões do país; políticas públicas diferenciadas em saúde e educação vêm sendo experimentadas; um novo Estatuto dos Povos Indígenas foi proposto ao Congresso Nacional; a Comissão Nacional de Política Indigenista foi criada pelo atual governo; vem sendo exigida proteção para os povos indígenas ainda não contatados (cerca de 70) na Região Amazônica. Há muitíssimo por fazer, mas o que foi feito, o foi dentro dos novos marcos constitucionais.
Por parte dos 235 povos indígenas também muitas mudanças ocorreram, alicerçadas nesses mesmos marcos: comunidades indígenas participaram ativamente na demarcação de suas terras; povos que estavam morrendo voltaram a crescer; o conhecimento tradicional da flora, da fauna, das maneiras próprias de compreender saúde e educação, tem sido valorizado e aplicado; povos, principalmente do Nordeste, que exerciam suas culturas clandestinamente, voltaram a se expor por inteiro e com orgulho, retomando memórias e territórios ancestrais; comunidades indígenas urbanas se revelam em todo o país, reafirmando valores e culturas, em permanente intercâmbio com as aldeias e com a sociedade nacional. Avalia-se que o total da população indígena hoje pode chegar a um milhão de pessoas, numa taxa de crescimento superior à média nacional.
Paulo Maldos , assessor político do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), em artigo publicado no jornal Valor, 18-07-2008.Matéria na íntegra :
http://www.unisinos.br/ihu/index.php?option=com_noticias&Itemid=29&task=detalhe&id=15338
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